Wilhelm Johann Hanisch - A serviço do Kaiser e do Führer

Pioneiros 26 de Abril de 2021

O pioneiro rondonense que combateu em duas guerras mundiais, por Heinz Schmidt*.


Wilhelm Johann Hanisch

Wilhelm Johann Hanisch

Lápide na sepultura do pioneiro rondonense no cemitério público na cidade de Marechal Cândido Rondon.

Lápide na sepultura do pioneiro rondonense no cemitério público na cidade de Marechal Cândido Rondon.


"Wilhelm Hanisch levava uma existência modesta na periferia norte de Rondon".


Uma lápide simples, esculpida em tijolos e cimento, e perdida há meio século em meio a centenas de túmulos no cemitério municipal de Marechal Cândido Rondon, resume uma história de vida que começou no final do século XIX, passou por duas guerras mundiais, envolveu êxodo forçado e emigração, e terminou em uma área de colonização teuto-gaúcha no Oeste paranaense.

 

Nascido a 4 de março de 1892 em Skeyden (perto de Glogau), uma pequena aldeia a 270 quilômetros de Berlim, o pioneiro rondonense Wilhelm Johann Hanisch foi marinheiro a serviço do Kaiser (imperador) Wilhelm II no conflito de 1914-1918 e às ordens do Führer Adolf Hitler na II Guerra Mundial.

 

Filho primogêmito de pequenos agricultores (August Hanisch e Bertha Stein), Wilhelm cresceu no sítio dos pais ao lado de três irmãos - Paul, Bertha e Maria. O cotidiano da infância e juventude resumia-se às brincadeiras próprias da idade, ajudar nas tarefas agrícolas e frequentar a escola. O mundo parecia em ordem na Alemanha imperial dos Hohenzollern, assim também na pequena Skeyden com seus 200 habitantes.

 

Em agosto de 1914, uma onda de fervor patriótico varreu o país. Levas imensas de manifestantes saíam às ruas, entoando vivas ao Kaiser. A Alemanha estava em guerra e mobilizava suas forças contra a Rússia czarista e a França. O que deveria ser um conflito localizado, evoluiu para um morticínio que conhecemos hoje como I Guerra Mundial, envolvendo 25 países e matando 17 milhões pessoas.

 

O conflito encontrou o jovem Hanisch já integrado à Marinha de Guerra alemã. Reza a crônica familiar que alguns anos antes, ainda menor de idade, ele havia escrito uma petição ao Kaiser solicitando sua incorporação à Kriegsmarine. Foi a primeira manifestação do espírito aventureiro que o acompanharia por toda a vida. O imperador atendeu o pedido.

 

Derrotada a Alemanha, o marinheiro voltou para casa, ileso. Na década de 1920, decidiu tentar a sorte no Brasil. Mas foi por pouco tempo. Retornou à pátria em 1928 para se incorporar à Reichswehr, posteriormente Wehrmacht (Forças Armadas), agora como Berufssoldat, soldado profissional, de carreira, relata seu sobrinho Christian Hanisch.

 

Como militar, Hanisch vivenciou a ascensão de Hitler, a consolidação do III Reich e a II Guerra Mundial. Quando a Alemanha invadiu a Noruega, em 1940, ele fazia parte da tropa de ocupação. E lá quase morreu, ao ser atingido pelos estilhaços de um mina.

 

Christian Hanisch viu o tio pela última vez em meados de 1944, em Skeyden, quando ele se recuperava dos ferimentos recebidos na Noruega. Depois, os desdobramentos da guerra e a reformulação do mapa geopolítico da Europa separaram tio e sobrinho.

 

Hanisch, que terminou a guerra com a graduação de Stabsfeldwebel (sargento) da Marinha, caiu prisioneiro dos ingleses na região de Schleswig-Holstein. Jamais voltou à terra natal. Já a população de Skeyden foi expulsa em 1945 pelas tropas de Stalin. A aldeia, incorporada à Polônia, chama-se hoje Skidniów.

 

O clã Hanisch – pais e filhos - fugiu para o leste em janeiro de 1945, em pleno inverno, instalando-se em área que a partir de 1949 seria território da República Democrática Alemã (Deutsche Demokratische Republik - DDR, comunista). Christian Hanisch tinha sete anos na época e guarda vivas lembranças dessa jornada marcada pelo medo, a fome, as bombas e a incerteza. A família intentou se reinstalar na propriedade depois do final da guerra, mas foi expulsa novamente em julho. Paul Hanisch, irmão de Wilhelm e pai de Christian, chegou a ser preso por uma patrulha soviética. Conseguiu escapar e livrar-se, assim, de um destino que poderia ter sido a deportação para trabalhos forçados na Sibéria.

 

Os pais de Christian estabeleceram-se em Kunersdorf junto a Cottbus. O sobrinho do pioneiro rondonense diplomou-se no início dos anos 1960 em eletrotécnica pela Universidade Técnica de Dresden, completou o doutorado em 1969 e mais tarde especializou-se em informática. Fez carreira em empresas estatais e institutos técnicos da antiga DDR. Em maio de 1990, após a queda do muro de Berlim e o fim do monopólio dos comunistas na DDR, Christian filiou-se à à União Democrática Cristã (CDU) e foi eleito deputado provincial pela circunscrição de Cottbus-Land. Vive hoje em Kunersdorf/Cottbus, na casa construída pelo pai em 1960.

 

Enquanto os Hanisch tentavam refazer a vida no leste, inicialmente sob o tacão dos russos e depois dos comunistas da SED - Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, o ex-marinheiro preferiu ficar no oeste, na zona de ocupação americana da Alemanha. Em 1949, residia na Stroofstrasse 33, bairro Griesheim, em Frankfurt am Main. Christian presume que o tio talvez prestasse serviços para os americanos antes de, mais uma vez, emigrar para o Brasil.

 

Solteiro e sem recursos, Wilhelm Johann Hanisch chegou ao porto de Santos (SP) no dia 4 de novembro de 1949, a bordo do navio francês  “Desirade”, da Cie. Chargeurs Réunis. Trazia um simples “Temporary Travel Document” emitido pelas autoridades aliadas de ocupação da Alemanha e uma ficha consular de qualificação assinada pelo coronel Aurélio de Lyra Tavares, chefe da missão militar brasileira em Berlim. Lyra Tavares seria, duas décadas depois, ministro do Exército e integrante da Junta Militar que sucedeu o presidente Costa e Silva em 1969.

 

O imigrante, que se dizia operário, tinha como destino Santa Cruz do Sul (RS), onde seria acolhido pela empresa Hoppe & Cia. À frente desse empreendimento estava Felix Hoppe, nascido em 1888 em Kotzemeuschel, localidade vizinha de Skeyden, e que se tornou um próspero empresário no Rio Grande do Sul. Christian supõe que seu tio Wilhelm e Felix tinham relação de amizade desde a juventude, na Alemanha. E foi o amigo bem-sucedido no Brasil que lhe antecipou os recursos para a viagem.

 

A pandemia de Covid-19 limitou a pesquisa sobre os passos de Hanisch no Sul do Brasil. Ele trocou Santa Cruz do Sul por Marechal Cândido Rondon, onde chegou talvez ainda nos anos 1950 ou o mais tardar no início da década seguinte. Refez o contato com os familiares na Europa, mantendo ativa correspondência durante anos. Mandava notícias pessoais, recortes de jornais e fotos - a fotografia, relata Christian, foi seu principal “hobby” durante toda a vida. Os parentes também receberam coisas incomuns como uma pele de cobra e chá de lapacho (ipê roxo), do qual o imigrante era entusiasmado divulgador.

 

“Era um homem com interesses moldados por uma visão humanista. Depois da I Guerra, por exemplo, participou de campanhas pela proibição de munições do tipo dum-dum. Seu espírito aventureiro e a condição de marinheiro o levaram conhecer boa parte do mundo”, comenta Christian.

 

Wilhelm Hanisch levava uma existência modesta na periferia norte de Rondon. Durante anos, tentou elevar o valor da acanhada aposentadoria que recebia do governo alemão. Frequentava a casa do pastor luterano Joachim Pawelke. Chegava sempre com a mesma pergunta: “Tem lanche?” A esposa do pastor sorria e lhe dava de comer. O imigrante faleceu no Hospital Filadélfia, de câncer no estômago, no dia 22 de março de 1971. Só, sem família. Tinha 79 anos.
 

* Jornalista cascavelense. 
 

NB. Crédito e acervo de imagens do autor. 

 

 

 

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